Wednesday, May 2, 2007

"A CANETA" de Pedro Chagas Freitas

Cena 1 Interior Dia
Num anfiteatro sumptuoso e repleto de pessoas. Flashes de fotos ouvem-se disparar muitas vezes por segundo.
Um homem diz a outro:
- Assine aqui, Doutor Gouveia.
O Doutor Gouveia remexe nos bolsos de forma apressada, continua a mexer e a remexer, começa a suar. Diz:
- Esqueci-me da caneta em casa.
O outro homem sorri. Diz:
- Não há problema. Use a minha.
O Doutor Gouveia continua a suar. Diz:
- Não posso. Só escrevo com a minha caneta. É só com ela.
Ouvem-se risos das pessoas sentadas no anfiteatro. O barulho dos flashes continua a ouvir-se.
O Doutor Gouveia não se ri. Continua a suar. Diz:
- Desculpe mas não posso assinar sem ela. Só escrevo com a minha caneta.
Sai a correr do anfiteatro, deixando o outro homem de boca aberta, incapaz de dizer uma palavra.
Cena 2 Exterior Dia
Numa rua movimentada.
O Doutor Gouveia prepara-se para passar de um lado para o outro do passeio. Dirige-se a uma passadeira. Olha para um lado e para o outro e inicia a sua marcha. Ouve-se o barulho do motor selvagem de um carro a alta velocidade. O Doutor Gouveia é selvaticamente atropelado, não sem antes gritar a plenos pulmões.
Cena 3 Exterior Dia
No meio de uma estrada, em cima de uma passadeira. O sangue está espalhado pelo chão. Há uma ambulância parada. Estão dois enfermeiros de bata branca vestidos curvados sobre o corpo do Doutor Gouveia.
Um dos enfermeiros diz para o outro:
- Está morto.
Ao lado, um polícia ouve as palavras de um homem tranquilo.
- A culpa não foi minha, senhor agente. O sapato saiu-me do pé.
O polícia aponta num bloco de papel o que acabara de ouvir. Pergunta:
- Por que não tentou travar com o pé descalço?
O homem responde com serenidade:
- Isso nunca. Só travo com aquele sapato calçado. É o meu sapato.